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A Caverna de José Saramago – e a de Platão


 A Caverna, romance de José Saramago, é um livro delicioso de ler, além de conseguir desferir uma crítica que, em suas sutilezas, faz-se contundente e primorosa em relação ao capitalismo em sua atual fase.
Muitos dizem que Saramago retoma o mito da caverna de Platão, no entanto, discordo dessa opinião. Certo é que Saramago trata alguns paralelos em relação àquela caverna descrita por Platão, no entanto, enquanto este dilacera o corpo humano e sua fisiologia em prol de uma razão suprema, Saramago usa a caverna como uma alegoria da condição humana dentro do contexto capitalista. Penso serem coisas bem distintas, Platão fazia uma crítica do mundo real em contraposição ao mundo supra-sensível, enaltecia a a razão; Saramago também mostra dois mundos, mas o mundo supra-sensível é o que de certa forma é negado, e, principalmente, não enaltece nenhum elemento como o logos, isto é, a razão que foi posta no pedestal celestial por Platão, o escritor deixa vários em aberto para que o leitor possa (re)pensar o que deve ser primordial em suas vidas.
Platão separa o mundo em dois, o sensível, advindo da condição corporal do homem na qual é violentamente abjetado em detrimento do outro mundo, o supra-sensível (um mundo no Além), o reino das idéias, da razão e da inteligência que para Platão adquiriam supremacia sobre a vida. Em Platão, a condição humana biológica, isto é, a vida em si, é desprezada, também, o conhecimento do senso comum e as idéias de homens e mulheres simples do dia-a-dia são meramente “sombras” diante da realidade; esses, no platonismo, são habitantes da caverna, desconhecedores da realidade adquirida somente pela razão do filósofo, aquela que sai, peremptoriamente, “etiquetando” o mundo de “verdades” e “mentiras”. O filósofo aqui pode ser entendido como aquele homem que nega aquilo que os sentidos corporais lhe mostram para buscar sentido no mundo das idéias, que para Platão é o único meio do homem conseguir alcançar a verdade e se libertar dos grilhões.

Em Saramago não há negação da condição biológica do homem em favor de uma condição forjada pelos ideais. Pelo contrário, a caverna de Saramago nega o mundo dos ideais capitalistas para reafirmar a condição humana em suas vivências simples, onde o trabalho se dá enquanto uma atividade vital do homem, na qual este se reconhece em suas ações e dá sentido à vida e as suas relações com os outros seres humanos.
Esses dois mundos, no romance de Saramago, são representados pelo Centro Comercial, que é um local gigantesco onde é possível consumir o imaginável e o inimaginável, de se viver e morrer, já que o local também comporta moradias e “cemitério” e, por outro lado, o modo de vida simples do homem que se reconhece pelo seu trabalho é representado por Cipriano Algor, um oleiro que vê sua vida perder o sentido quando o Centro decide que o produto do seu trabalho é uma bagatela desprezível diante das tecnologias. Aqui, as louças feitas de barro pelo sitiante Cipriano são suplantadas pelas louças feitas de plástico, consideradas leves, práticas e bem mais requintadas.
Outro personagem que merece destaque é o cão Achado, um “vira-lata” que foi encontrado num dia chuvoso, na qual acomodou-se numa casinha de um falecido cão de Cipriano. Os moradores não recusaram o pobre animal, que então passou a representar os momentos de alegria da família Algor. Achado estava sempre disposto a escutar os lamentos de Cipriano, como que entendesse mais de sentimentos humanos mais do que qualquer humano.
O Centro Comercial (a caverna) representando o capitalismo, engole, desfaz, destrói e passa por cima das relações humanas em nome do dinheiro que depende da produção em quantidade e à qualquer custo. Esse processo atravessa esterilizando a vida das pessoas comuns que exercem uma profissão e se reconhecem nela. As vítimas – todos nós de certa maneira, em diferentes graus – passam a serem mercadorias de seus postos de emprego e são alienados quanto a função de sua atividade, o que ela representa para si, para a sociedade e qual a relação desta com o contexto concreto da vida.
Nesta caverna capitalista as pessoas, consumidores e fornecedores, são prisioneiras daquilo que consomem (as sombras). Os consumidores se vêem nos produtos, os fornecedores se vêem nos sonhos eufóricos pela chance de enriquecimento fácil frente ao escoamento em grandes quantidades de mercadorias produzidas graças às tecnologias.
Dentro desse contexto do romance de Saramago, toda relação gira em torno do Centro Comercial, ou as pessoas se adaptam a ele, abraçam as tecnologias e cumprem suas normas e diretrizes econômicas, ou se tornam obsoletas e inúteis, como se tornou Cipriano e o produto do seu trabalho. Esse Centro não suporta rivalidades comerciais, ele esmaga como o fez com o pobre Cipriano que de repente viu sua condição de vida ser ridicularizada e ser jogada à miséria, assim como as multinacionais, no cenário globalizante, engole pouco a pouco a produção local. As particulares e detalhes pessoais de cada produtor em suas mercadorias e os aspectos preferenciais de cada produto voltados para às exigências de clientes individuais são suplantadas pela padronização exigente da produção em massa voltado para o consumo em massa, à atender pessoas que gritam por sua individualidade, mas são enxergam suas condições de mercadorias também padronizadas perante a ordem econômica.
Saramago, muito criticado por não permitir que seus livros sejam traduzidos pelo português brasileiro e, também, por usar um estilo de escrita fora dos padrões da norma culta, consegue com muita clareza, em um romance envolvente do começo ao fim, mostrar o quanto o capitalismo consegue com suas cavernas (shoppings, centros comerciais, etc.) tornar o ser humano um mero objeto diante da angústia de ser descartado ou utilizado enquanto for capaz de andar às esteiras das exigências econômicas.
Mostra o quanto nossas vidas estão repletas de inseguranças e incertezas devido as exigências econômicas que não pensam duas vezes em destruir culturas e modos de vida locais, conseqüentemente, esterilizando os vínculos humanos, em proveito de uma economia, na atual fase capitalista, que deve ser fluída, rápida, excessiva e descartável, conforme nos aponta o sociólogo Zygmunt Bauman. Nesse sentido, a globalização urge como um totalitarismo disfarçado, abandonou as vestes rígidas dos generais e usa à desfilar, agora, vestes carnavalescas, leves e coloridas, capazes de seduzir as pessoas que acreditam que a tecnologia, a produção em massa, o consumismo e outros elementos do liberalismos são os novos messias.
Mas nós, os seduzidos, que acreditamos que o vivemos no mundo predito por Leibniz, isto é, “o melhor dos mundos possíveis”, não estaremos vivendo sobre as muitas sombras criadas por uma caverna chamada capitalismo? Quem somos senão aquilo que consumimos? Quais os nossos vínculos afetivos que ficam isentos das diretrizes econômicas? Reconhemo-nos nas ações de nossas profissões? Será a democracia dentro do contexto capitalista uma sombra do totalitarismo?
Essas e muitas outras inquietações podem vir a tona para qualquer cidadão que consegue ir além da ingênua crença no progresso prometida pelas relações existentes dentro do plano consumista, mas convenhamos, assistimos a um mundo em extinção: extinção dos vínculos afetivos, do homem em relação com a vida natural, do homem e dos bichos de estimação, dos laços de vizinhança, do dialeto e da cultura local… bem-vindos senhores, ao mundo capitalista, aquele que, dizem os parvos, significa em primeira instância: liberdade. A liberdade para poder sonhar com uma Ferrari, por mais que tenha que levar ao túmulo esta e muitas outras “sombras”.

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